Este blog foi criado para contar a história de bravura deste lindo anjo.
João Pedro nasceu com Hérnia Diafragmática Congênita (HDC) e permaneceu neste plano por apenas 28 horas. E neste pouco tempo que ele passou por aqui, deixou um linda lição de amor, força e garra.
Ele é com certeza um Anjo Guerreiro.


quarta-feira, 9 de março de 2011

Os primeiros dias sem ele

Viver sem ele é uma batalha diária. A cada dia vivo uma revolução interna, um misto de sentimentos, uma vontade que ele estivesse aqui e ao mesmo tempo o desejo de que ele encontre o seu caminho ao lado de Deus. Não tem como explicar.

No primeiros dias eu achei que fosse morrer, e queria que isso acontecesse. Eu não conseguia comer, não conseguia dormir, não recebia as pessoas que iam me visitar, não atendia o telefone e muitas vezes sequer eu saía do quarto. Fiquei uns 10 dias alojada na casa dos meus pais porque não tinha coragem de ir pra minha casa.

Lá eu oscilava entre momentos de razão e de revolta, mas aos poucos eu ia retomando minha consciência. O Amaral foi fundamental pra que eu não caísse em depressão e não ficasse louca. Porque era isso que ia acontecer se ele não estivesse ao meu lado. Minha mãe um dia me falou que eu não conseguiria passar por tudo isso se estivesse casada com outra pessoa. E acredito mesmo nisso. O Amaral é um ser iluminado, que cruzou o meu caminho por um motivo muito especial.

A primeira vez que saí de dentro de casa, foi para ir na minha terapia, porque desde que descobrimos a HCD comecei a fazer terapia, e depois de lá, fui na igreja pedir a missa de 7º dia. Quando chegamos na igreja, eu caí no choro, pois jamais imaginava ter que pedir missa pro meu filho. A secretária chamou o Padre Adilson que nos levou a uma salinha privada e lá conversou muito com a gente. Esse padre é iluminado, todos têm ele como Santo, e pra mim é isso que ele representa, porque depois que conversamos com ele, saí de lá melhor.

No dia da missa, cai no choro na porta da igreja. Não conseguia entrar lá. Pensar que eu estava entrando na igreja pra rezar pela alma do meu filho era uma coisa irreal pra mim. O Amaral e minha mãe que me deram força pra conseguir ir adiante. A missa foi linda, dedicada do início ao fim ao João Pedro. Cada vez que o padre tocava no nome dele, eu desmoronava. Não só eu, mas todos os nossos familiares e amigos que estavam em peso na igreja. Quando caí em mim, e percebi a quantidade de pessoas que estavam lá por causa do JP, agradeci a Deus por eu e o Amaral termos amigos de verdade, que se importam com a gente e se fazem presentes na nossa vida.

Voltamos pra casa da minha mãe e naquela noite sonhei com ele. Não lembro do sonho, mas senti a presença dele e me acordei no meio da madrugada sentindo como se alguém estivesse acariciando minha mão. Achei que era o Amaral, mas ele estava dormindo e quando olhei pra ele, vi nele o rostinho do João Pedro. Senti uma coisa tão boa, uma sensação de felicidade, como se ele estivesse realmente ali, deitadinho do meu lado. Eu estaria ficando louca???? Quem sabe... talvez, sim, talvez não. Mas naquele momento preferi acreditar de que o meu João Pedro tinha realmente vindo até mim pra me confortar.

Eu tinha feito uma almofadinha pro João Pedro, e depois do acontecido eu dormia abraçada nela todos os dias, fingindo ser ele que eu estava abraçando. E depois dessa noite, quando vi o rosto dele no Amaral, eu abracei forte a almofadinha e segui dormindo. Sonhei com ele de novo. Eram coisas desencontradas, sem sentido, mas ele sempre aparecia como se tivesse uns 2 aninhos e corria na minha direção pra me beijar e me abraçar. Eu sentia como se isso fosse real, sentia o beijo e o abraço dele. Me acordei tão bem, estava certa de que ele estava bem. Acordei com uma certa felicidade e com a sensação de que eu deveria sair daquela angústia. Algo me dizia que eu tinha que ser feliz, fazer uma festa, agradecer pelos amigos que eu tinha e pelo marido maravilhoso que Deus tinha me dado. Não sei, era uma coisa estranha que estava acontecendo. Como se naquela noite uma força superior tinha decido sobre minha cabeça e tivesse mudado a minha vida.

Comentei isso com o Amaral e com minha mãe. Eles ficaram bem faceiros em me ver daquele jeito, empolgada em seguir em frente. Eu e o Amaral conversamos sobre a possibilidade de fazermos uma festinha pra comemorar nossos 5 anos de casamento que seria em fevereiro. Como não casamos na igreja, não pudemos confraternizar com nossos amigos, mas agora algo me dizia que eu precisava fazer uma comemoração, porque mesmo diante de tanta dor e sofrimento, eu ainda tinha coisas muito boas pra agradecer. O Amaral pensou sobre o assunto e pediu que conversássemos isso mais adiante. Ok, talvez ele estivesse percebendo que aquilo era apenas uma ansiedade minha, empolgação, sei lá.

Aquela semana depois da missa foi diferente. Não que eu tenha esquecido o que aconteceu, nem que eu não estivesse sofrendo, mas parecia que agora ao invés de sofrer por querer ele de volta ou por querer morrer pra ficar com ele, eu sofria apenas de saudade, mas a todo momento rezava pra que ele ficasse bem onde estivesse.

Voltei no obstetra para retirar os pontos. Graças a Deus correu tudo bem com a cesárea, não tive nada de complicação e acho que nem senti dor porque a dor emocional que eu estava sentindo era maior do que qualquer dor física. Conversamos bastante, sobre minha condição de ter outros filhos, sobre minha saúde e inclusive sobre o fato da minha gineco não ter ido fazer o meu parto. Não engulo isso até hoje. Durante 15 anos ela foi a minha médica. Ela acompanhou toda a minha gestação e na hora do parto ela simplesmente não atende o telefone e nem sequer liga de volta pra saber como eu estava. Até hoje ela nunca ligou e lógico que eu nunca mais voltei no consultório dela, porque eu não sei o que sou capaz de fazer. Não posso dizer que ela foi incompetente, mas irresponsável sim. Quando se escolhe a profissão de médico, tem que se estar ciente de que estará lidando com um ser humano, que tem sentimentos e que o descaso numa horas dessas pode afetar eternamente o emocional de uma pessoa. Não só eu, mas toda minha família e minhas amigas ficaram muito revoltados com o que essa médica fez. Mas acredito e tenho certeza de que Deus sempre faz o que é melhor pra gente. Porque apareceu no meu caminho um médico maravilhoso, delicado comigo e muito sensível com a situação. Talvez se ela tivesse ido me atender, poderia ter piorado toda a situação. Foi melhor assim. Deus escreve certo por linhas tortas. Mas uma coisa é certa: sempre que eu conhecer alguém que é paciente dela, eu vou relatar o que ela me fez. Não é justo deixar que ela faça o mesmo com outras pessoas.

Criei coragem pra ir pra minha casa. Até entrarmos com o carro foi tranqüilo, mas descer do carro e abrir a porta foi difícil. Fui fazendo aos poucos. Assim que entrei em casa, chorei muito. Me dei conta de que a última vez que eu estive na minha casa ele ainda estava na minha barriga, e agora eu não tinha ele nem na minha barriga, nem nos meus braços, nem mesmo numa incubadora de UTI. Me sentei no sofá e chorei. Mas eu ainda precisava passar por mais uma etapa: subir as escadas e dar de cara com o quartinho dele. Não estava decorado nem tinha os móveis, pois como nossa mudança estava próxima, nem me preocupei em arrumar, mas tinha todas as coisinhas dele lá.

Subi metade da escada e não consegui mais. Quando avistei a porta do quarto, entrei em desespero. Me sentei nos degraus da escada e gritei, gritei muito, chorei desesperadamente. Queria voltar pra casa da minha mãe, mas com toda calma e paciência o Amaral foi me ajudando e quando vi eu estava dentro do nosso quarto e me joguei na cama. Voltar pra casa foi uma das piores coisas depois de tudo que aconteceu. Foi um sofrimento tão grande que não tem como explicar. Mas graças à força que recebo de Deus, do Amaral e do João Pedro, eu consegui vencer mais esse obstáculo.

Deram férias do trabalho pro Amaral. Foi a melhor coisa, pois sem ele por perto eu não conseguiria suportar. Não que ele não estivesse sofrendo também, muito pelo contrário, mas é que ele tem um jeito diferente de ver as coisas. Ele sempre vê o lado positivo e sempre consegue tirar algo de bom de tudo. Um dia eu estava chorando muito e dizendo pra ele que eu tinha certeza que jamais, em toda a minha vida eu teria sofrimento e dor maior do que esta, porque não existe dor maior do que perder um filho. Então ele me falou que eu não devia pensar assim, porque eu não sabia o que estava reservado para o meu destino. Ele fez eu lembrar da atriz Cristiane Torloni que também perdeu um filho, mas perdeu porque ela não o viu e passou de carro por cima da criança. Ele me lembrou também de uma mãe em POA que em legítima defesa teve que atirar e matar o próprio filho por causa das drogas. Nos dois casos, assim como eu, essas mães perderam seus filhos, mas com certeza a dor delas é muito maior do que a minha. Porque eu sei que eu fiz de tudo pra tentar salvar o meu filho, e elas por uma fatalidade, foram as causadoras da morte de seus filhos. Isso me fez perceber que sempre existe situação pior do que a gente vive, independente do que quer que seja que estivermos passando.

O Amaral achou que devíamos viajar, sair um pouco aqui da volta, espairecer. Eu não tinha vontade, não queria sair e me divertir, mas por ele, aceitei. Afinal, ele também estava sofrendo e precisava se recuperar. Fomos então fazer um tour pela serra. Passeamos por Gramado, Nova Petrópolis, Caxias e Bento. Fomos ver o Natal Luz, saímos pra jantar, visitamos as cidades e em Bento, fomos na igreja de Santo Antônio pagar uma promessa.

Quando começamos  namorar, nosso primeiro passeio juntos foi em Bento, e lá na igreja de Santo Antônio, nós trocamos nossas alianças de noivado para a mão esquerda e fizemos as nossas juras de amor perante o santo tido como casamenteiro e sou muito grata a Ele pelo sucesso do nosso casamento. Quando começamos a ter problemas no início da gravidez, o Amaral fez uma promessa, que se conseguíssemos ter o nosso filho, nós o levaríamos lá na igreja de Santo Antônio. Nós tivemos o nosso filho. Infelizmente ele não pôde ficar entre nós, mas mesmo assim eu achava que nós tínhamos que pagar a promessa feita. Chorei muito dentro da igreja. Não foi fácil voltar lá sem ele nos braços, mas aproveitamos que estávamos lá pra fazer outra promessa: todos os filhos que a gente tiver, levaremos lá naquela igreja .

Voltamos desse passeio e eu estava um pouco melhor, mas eu continuava tendo momentos de altos e baixos. Detestava isso. Oras eu estava muito bem, eufórica querendo fazer festa, oras eu queria me esconder do mundo. Conforme minha terapeuta, isso era normal diante da situação. Mas eu vivia com medo. Tinha medo de como seria quando o Amaral voltasse a trabalhar e eu ficaria sozinha em casa, tinha medo de sair na rua sozinha e as pessoas me vissem sem barriga e me perguntasse do meu filho. Todos essas situações de que eu tinha medo, um dia chegaram.  

2 comentários:

  1. Grayce, tu deve ta cansada de ouvir isso... Mas só o que posso te desejar é força...

    Beijos

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  2. Eu passei por isso. Na minha historinha não houve missa de sétimo dia, nada. A revolta era tamanha! Não queria saber de Deus nem tão cedo! Perdoem os mais religiosos, mas uma mãe que perde o filho no auge de um amor tão pleno, tão lindo... As mães nunca deveriam ver um filho morrer... Como conjugar nascimento igual a morte?! como?! Já tive a minha segunda filha, que nasceu sem problemas algum. Já me reconciliei com Deus também. Todos os dias depois que voltei ao trabalho eu colocava músicas religiosas e dizia para Deus que ia gostar Dele novamente... E daí, o sentimento por Deus cresceu ainda mais forte e verdadeiro! Talvez tenha sido essa entre outras uma das missões do meu filho... Tornar-me mais íntima de Deus.

    Mas lembro-me bem de cada parte depois da morte dele... Da saída do hospital, vendo ainda outras mães saírem toda orgulhosa com os seus bebezinhos no braço e o sorriso tomando conta do rosto inteiro, quando eu só queria sumir do mundo! Lembro-me de me olhar no espelho e ver a minha barriga oca, sem o meu filhinho a chutar... Lembro-me de escutar o choro de outros bebês ainda na maternidade, enquanto eu esperava a minha mãe, sogra e irmãs voltarem do enterro... Lembro-me de voltar para casa sem o meu filhinho... quanta dor, quanta dor!

    De lá pra cá se passaram quase quatro anos. A saudade Não dilacera mais. Muitas outras coisas precisei enfrentar... A volta ao trabalho, a espera de um ano e meio para engravidar novamente, com direito a diversos exames e uma extração de cálculo renal no hospital onde gostaria de ter tido o meu filho. Explico... O meu parto não ocorreu na minha cidade, em Recife/PE. Fui para o RJ na esperança de oferecer mais recursos que garantisse a vida dele. A esperança foi o que me salvou do momento do diagnóstico até o parto. Além de Deus, claro!

    Bom... você é afortunada! Nunca sonhei com o meu filho, nem uma única vez! A única sensação após a morte dele, e eu acredito no que vou contar, foi sentir uma mão me acariciando a cabeça no dia do ano novo... Por que não?!

    Bom... hoje, senti uma falta dele tão grande... E daí, eu descobri o seu blog. Foi bom o desabafo! Obrigada.

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