Este blog foi criado para contar a história de bravura deste lindo anjo.
João Pedro nasceu com Hérnia Diafragmática Congênita (HDC) e permaneceu neste plano por apenas 28 horas. E neste pouco tempo que ele passou por aqui, deixou um linda lição de amor, força e garra.
Ele é com certeza um Anjo Guerreiro.


segunda-feira, 7 de março de 2011

04 de dezembro de 2010 - A despedida

Assim que chegamos na capela, minha mãe teve uma crise de choro e me pediu se podia pegar ele no colo. Claro que eu não ia me opor. Era o único momento da família com ele, os avós nem puderam ver ele com vida. Então minha mãe pegou ele no colo, abraçou e beijou muito. Foi muito doloroso ver aquilo. Eu sonhava tanto com o momento em que eu daria o neto dela nos braços pra ela segurar, mas não era daquele jeito que eu queria fazer.

Eu e o Amaral ficamos o tempo todo sentados ao lado dele e ninguém me tirava dali. As pessoas chegavam, me abraçavam e saiam e eu nem percebia com quem eu tinha falado. Eu não estava nem aí pro resto do mundo, queria ficar ali do ladinho dele o maior tempo possível. Mesmo ele sem vida, ali a o momento de eu poder ter ele perto de mim. Fiquei babando por ele, namorando aquele rostinho lindo, acariciando as mãozinhas dele. Ele era lindo demais.

O tempo ia passando e mais pessoas iam chegando. Fiquei surpresa quando vi algumas pessoas que jamais imaginava que se importariam com a gente, e também fiquei decepcionada com outras que se diziam amigas, ou até mesmo que são da família, e sequer ligaram ou mandaram recado se compadecendo da situação. Com isso aprendi que não se deve esperar nada de ninguém.

Vi pessoas que eu não fazia idéia de quem eram. Pessoas que choravam desesperadamente, me abraçavam e saiam. Tinham pessoas que não tinham a mínima intimidade comigo ou com o Amaral, mas eram amigos ou familiares de nossos amigos. Muitos eram amigos dos meus pais, meus sogros, minhas cunhadas, minha irmã... Quando vi chegando os familiares do marido da minha cunhada me perguntei “o que essa gente faz aqui?”. Eu não tinha intimidade com eles, mas depois que fui me dar conta de que eles eram a família do dindo do João Pedro. Então nesse momento descobri como uma criança une duas famílias. Naquele momento eu só pensava que eu estava sofrendo pelo meu filho, mas não me toquei que haviam outras pessoas além de mim que estavam sofrendo também. Então percebi que o João Pedro não era só meu, era de todos que estavam ali.

Lembro como foi tocante pra mim o momento em que vi as minhas amigas do tempo do colégio chegando. Nós somos um grupinho de 5 que não se desgruda nunca e 3 delas já têm filhas e a gente brincava que a Isabella, a mais novinha, filha da Dani e do Alexandre, seria minha nora. Quando vi minhas amigas e seus maridos chorando vi, que elas amariam o meu filho como se fosse filho delas também. Isso se confirmou quando percebi que elas passaram a madrugada junto com a gente.

Eu estava cansada, mas meu corpo não conseguia relaxar. Comecei a me irritar com as pessoas toda hora me mandando deitar e dormir um pouco. Então me indignei e gritei, pedindo que parassem de me mandar deitar, eu queria ficar com o meu filho. Nessas horas a gente não vê que as pessoas só querem nos ajudar. Mas eu não tava nem aí, eu queria era ficar com ele. Se os pontos da cesárea dessem problema, azar, naquele momento eu queria mesmo é que acontecesse alguma coisa que me matasse e eu pudesse ir embora com meu filho. Repeti tantas vezes que eu queria morrer também, até que o Amaral olhou pra mim e disse “E eu? Tu vai me deixar aqui sozinho, sem tu e sem ele?”. Meu Deus, como eu estava sendo egoísta. Eu achava que só eu estava sofrendo e não percebia nada na minha volta.

Já de madrugada, quando a maioria das pessoas não estavam lá, eu não me agüentei e tirei ele ali de dentro daquele caixão. Peguei ele no colo, deitei ele no meu peito e fiquei com ele um tempo ali comigo. Mesmo que fosse de mentirinha, eu precisava ter o momento de fazer o meu nenê dormir. Então resolvi que eu ia fazer com ele as coisas que eu sempre sonhei. Tinham poucas pessoas perto, mas dividi com elas esse momento. Tirei a roupinha dele, tirei a fraldinha, minha mãe queria ver o tiquinho dele. Parece que só depois disso é que caiu a ficha dela que era um menino mesmo. Mostrei o pezinho dele, enchi de beijos, vesti ele de novo e arrumei a “caminha” dele e coloquei ele pra “dormir”. Enquanto eu fazia essas coisas, eu sentia como se estivesse fazendo de verdade, como se estivéssemos na nossa casa e tudo aquilo fosse real, mas depois, caia minha ficha e eu desabava. Foi assim durante toda a madrugada, eu alternava em momentos de viajem e momentos de lucidez.

Não lembro de todos que passaram a noite com a gente, mas sei que foram as pessoas mais importantes na vida do João Pedro e na minha também. No final do blog eu citarei o nome das pessoas que agradecerei eternamente.

O Amaral até conseguiu dormir um pouco. Eu até sentei no sofá, mas não fiquei, não queria perder nenhum minuto ao lado dele. Já era quase de manhã, muitos estavam cochilando, mas eu e o Amaral estávamos do lado dele, então olhei pro Amaral e convidei pra gente ir pra um lugar só nós três. Ele concordou. Fomos pro banheiro da capela, único lugar onde poderíamos ficar a sós sem sermos incomodados. Lá, eu segurei o João Pedro entre a gente e demos um abraço triplo, como eu sonhava em fazer. Cantei pra ele toda a música “avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu assim sem você”. Era impossível não chorar enquanto fazíamos isso. O Amaral pegou ele nos braços e cantou pra ele uma música do inter, coisa que ele sonhava em fazer com nosso filho quando fossem ao estádio ou mesmo olhando futebol em casa. O Amaral adora criança e tem várias pegadinhas que ele faz pra divertir a criançada, e todas essas pegadinhas ele fez com o JP lá no banheiro. Nós ficamos um tempão lá dentro, cantamos, dançamos juntos. Cantei pra ele uma canção de ninar e então me dei conta de que já estava clareando, e as pessoas dariam falta da gente no salão da capela. Voltamos e mais uma vez coloquei ele na “caminha”.

Clareou o dia, e as pessoas começaram a chegar. Muitas que não tinham ido no dia anterior chegavam e se chocavam com a imagem daquele anjinho. Não é comum as pessoas presenciarem velório de criança, por isso se chocam.

O tempo ia passando e cada vez mais eu me via perto da hora de me despedir e vez. Minha tia Néia, estava desolada e me pediu se poderia segurar ele um pouquinho. Dei ele no colo dela e ela o abraçou até se acalmar. Achei então que esse seria o momento para que as dindas também pudessem se despedir. Coloquei ele um pouquinho no colo de cada uma, dei ele no colo das avós e todas puderam fazer o seu momento com ele. Todas se emocionaram muito, mas foi importante pra elas terem feito isso, pois todas puderam sentir o cheirinho gostoso que ele tinha.

No meio da manhã, meu tio Zezinho chegou do Boa Nova com um casal que faria uma oração pelo espírito do João Pedro. Reunimos as pessoas e os dindos e juntos fizemos uma oração para que o nosso anjo encontrasse o seu caminho. Lá no Boa Nova, sempre é feita a leitura da mensagem do dia, retirada do livro Abrindo Portas Interiores, de Eileen Caddy, e não foi diferente no velório do João Pedro. O casal leu a mensagem que dizia:

“4 de dezembro
Aprenda a apreciar e a cuidar de tudo que lhe é dado. Você só fará isso quando perceber que tudo que você tem vem de Mim. Quando você realmente ama a quem o presenteou, você valorizará o presente. Quando você deixa de cuidar dos Meus presentes, isso reflete sua atitude em elação a Mim, o doador de todos esses presentes. O amor é a chave. Quando você sabe o significado do amor, você nunca deixará de amar e cuidar daquilo que é posto sob seus cuidados. Você não dá para uma criança brincar uma parte valiosa de um equipamento, porque sabe que a criança não vai ter cuidado e, provavelmente, vai destruir a peça. Eu não posso dar pra você tudo que está esperando para lhe ser dado até que você aprenda a cuidar e usar os presentes da maneira certa, com amor, com cuidado. Por isso Eu preciso esperar pacientemente até que você esteja pronto e eu possa lhe dar mais e mais dos Meus presentes.”

Esta leitura serviu pra mim como se fosse um recado de Deus, me dizendo que eu não saberia cuidar este presente, por isso Ele não me deu. Fiquei certa de que isso não era apenas coincidência. Junto com o pessoal do Boa Nova nós rezamos e iniciamos as últimas despedidas.

Logo depois chegou o Padre Adilson, um padre muito carismático que tem na nossa cidade e meu pai fazia questão que ele fizesse a encomendação do corpo do JP, como é dito pelo igreja católica. Nessas alturas a religião era o que menos importava, o que tinha importância era que Deus estivesse presente. E como o pessoal do Boa Nova diz, quem faz a divisão de religiões é o homem, porque Deus é um só.

O Padre fez um discurso lindo, convidou os padrinhos pra ficarem junto e fez uma rápida cerimônia de batizado. Lembro quando ele disse que tinha certeza que eu não entregaria meu filho nas mãos de mais ninguém, além das mãos de Deus. E hoje, isso é a mais pura verdade, mas naquele momento eu não estava satisfeita com Deus, estava indignada por ele ter tirado de mim o presente que tinha me mandado.

Assim que o padre encerrou a cerimônia, peguei o João Pedro no colo pela última vez, abracei ele forte, estava desesperada pois estava chegando a hora da despedida. Eu não queria largar ele, então olhei pro meu pai, e meu pai estava desconsolado. Dei o João Pedro nos braços dele pra que ele se despedisse, e desesperado, ele deu um beijo e ofereceu o JP aos céus em uma oração silenciosa. Peguei ele de novo e coloquei deitadinho no caixão. Então desesperada comecei a falar pra ele que eu o amava muito, que todos que estavam ali o amavam de mais e que eu nunca ia esquecer dele e nem deixar ninguém chamar ele de fraco. Senti então alguém me tirando de perto pra que eu não visse fecharem o caixão.

Que coisa mais horrorosa. Nem se eu tivesse inimigos desejaria que eles passassem por esta situação. Só uma mãe que perde um filho pra saber o que é essa dor, os resto, pode apenas imaginar, mas jamais poderão ter certeza do que essa dor causa. Em dois dias eu tive o melhor e o pior momento da minha vida. Isso é indescritível. Por mais que eu escreva aqui no blog, nunca vou conseguir expressar totalmente a dor que senti e que sinto até hoje.

Já tinha passado pela dor da notícia, depois ter passado um dia velando meu filho, ainda precisava passar pela dor de ver meu filho sendo enterrado. Me colocaram no carro e fomos seguindo o cortejo fúnebre. Enquanto passávamos, eu via as pessoas olhando e provavelmente se perguntando quem tinha morrido, mas o mais certo é que ninguém imaginaria que era um bebê. No caminho, vi passar por nós uma senhora que foi diretora da escola que eu estudava nas séries iniciais, ela mora perto da minha casa, e quando soube que eu estava grávida, ficou muito contente e me abraçou muito. E naquele momento ela nem imaginava que aquele cortejo era do meu bebê.

Seguimos até o cemitério e eu queria que os avós levassem o caixão. Então pedi pro meu pai, o pai do Amaral e o Lécio, que é como um pai pra mim, pra que eles carregassem. Queria que o meu tio Bonito, que é na verdade marido da minha tia Néia também estivesse entre eles, mas no meio de tanta gente, eu não o encontrei, então o Amaral foi levando junto. Quando íamos entrando no cemitério, meu tio Mauro, que é irmão da minha mãe, me pediu se poderia colocar junto com o caixão uma cartinha que ele tinha escrito pro João Pedro. Claro que podia. Então ele me abraçou e disse que escreveu aquela carta quando o JP nasceu e que queria muito entregar nas mãozinhas dele quando ele voltasse pra casa, mas com isso não seria possível, entregaria ali mesmo. Até hoje não sei o conteúdo da carta, pois meu tio colou e colocou dentro do túmulo.

O João Pedro seria enterrado no mesmo túmulo dos meus avós maternos e quando estávamos chegando perto do túmulo, o caminho foi se estreitando e não era mais possível que os quatro que carregavam o caixão fossem juntos, então meu pai entregou o caixãozinho nas mãos do Amaral pra que ele fosse sozinho daquele ponto em diante. Jamais vou me esquecer daquela cena. Ver o Amaral recebendo o filho nos braços, mas sabendo que ele estava dentro do caixão, não tem explicação...  

Foram feitas as últimas homenagens, meu pai fez um agradecimento aos amigos que estavam presentes e eu rezei pedindo que minha vó recebesse o João Pedro no céu e cuidasse dele como ela cuidou de mim. Olhei na lápide do túmulo e me dei conta que meu filho estava sendo enterrado no mesmo dia em que meu avô havia falecido há 19 anos atrás. Dia 4 de dezembro sempre será um dia marcante na nossa família.

Pronto, estava encerrado naquele momento o nosso contato físico com o João Pedro. Depois que fechassem a lápide, acabaria tudo. Eu não tinha mais força pra nada, então fui saindo. Na saída, muitas pessoas vieram me abraçar e me desejar força. Lembro da minha família, de amigos, minhas colegas de trabalho, vizinhos, pessoas com muita intimidade, outras sem intimidade nem contato com a gente, mas estavam lá, de longe, se compadecendo do nosso sofrimento.

Percebi que tem muito mais pessoas que gostam de mim e do Amaral do que eu imaginava. Percebi também que num momento desses é melhor não falar nada. Um abraço silencioso ou um olhar já bastam.

Depois que acabou tudo, fomos pra casa da minha mãe, onde minha madrinha Heloisa e minha prima Camila fizeram um almoço pra gente. Estava ali o início de uma nova etapa: viver sem ele.

4 comentários:

  1. Grayce, to aqui desesperada!!!
    Guria tu é mto, mto, mto, forte!!! Um exemplo a ser seguido mesmo!!!
    Não consigo me imaginar nessa situação, eu nao suportaria...
    Só o que posso desejar é força e luz, para que aos poucos tu consiga pelo menos lembrar d tdo sem chorar.. Pois tenho certeza que jamais esquecerá esses momentos...

    Beijos kerida

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  2. Meu Deus. Estou em prantos aqui. Ler isso me fez relembrar e sentir novamente na pele todo o desespero que senti nesses dois dias. Com certeza foi o pior momento da minha vida até hoje.
    Nossa família é muito unida e forte, e é assim que estamos superando e vamos superar tudo isso. JUNTOS!
    Minha irmã, eu amo vocês três e pode ter certeza que eu sou muito feliz e grata pelo lindo anjo que vocês deram para eu chamar de afilhado. Vou amá-lo pra sempre!
    Grande beijo.

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  3. Olá,
    Sou amiga da Débie, e estou em prantos aqui...
    Desejo à vcs muita força e luz!!
    Um abraço, Magda

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  4. Olá. através do blog da Débie que conheci a história breve e guerreira de João Pedro. Nem imagino tamanha dor, mas Deus sabe o que faz,a gente é que não entende. tenho certeza que dentro de pouco tempo a vida dará uma nova guinada e que JP estará dando forças e iluminando o caminho de vcs.
    Um abraço, Gisele

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